quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Boletim do Clube Português de Banda Desenhada (nº1) - Post parte 6 de 6)


(Continuação da transcrição de vários artigos publicados no Boletim do Clube Português de Banda Desenhada - nº1 de 1977)
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A BANDA DESENHADA E OS INTELECTUAIS EUROPEUS
(Devido à extensão do artigo, apenas será transcrito parcialmente)

O apreço dos intelectuais pelas histórias aos quadradinhos nasceu nos anos 60, graças em grande parte ao esforço do grupo formado por Claude Moliterni, Pierre Couperie, Edouard François, Proto Destefania, Maurice Horn e Claude Le Gallo, que deu origem à Société d'Études et de Recherches des Litératures Dessinées (Socerlid). Em 1967 esse grupo organizou no Museu das Artes Decorativas - Palácio do Louvre, uma exposição retrospectiva de 70 anos de histórias em quadradinhos, a mais importante "mostra" do género realizada até hoje. O movimento fomentado por esses intelectuais estendeu-se também, a breve trecho, à Bélgica, Itália, Inglaterra e, mais recentemente, à Espanha, gerando inúmeros debates de valiosa importância em torno das coordenadas históricas, estéticas e sociológicas das histórias em quadradinhos.
(...)
Sintomática, por outro lado, a "intelectualização" das histórias em quadradinhos, é a circunstância de realizadores célebres como Losey, Vadim, Lelouch, Godard, Resnais - e outros mais, como adiante veremos - se confessarem, também, seus admiradores incondicionais. Resnais utilizou a técnica das histórias em quadradinhos em "Muriel, o tempo de um regresso" e "O Último ano em Marienbad". Além disso, dedica muito do seu tempo aos colóquios e aos clubes amadores das histórias em quadradinhos. E chegou mesmo a declarar: "Adoro as bandas desenhadas, esse suspense quotidiano. São indiscutivelmente um meio de expressão em si mesmo. (...) Outros artistas e teóricos consagrados internacionalmente, como aponta Moacy Cirne, confessam-se estudiosos ou admiradores dos quadradinhos: Picasso, Pierre Alechinsky, Edgar Morin, Marshall McLuhan, Umberto Eco, Francis Lacassin, Peter Foldes, Luís Gasca. O próprio Moacy Cirne, ligado ao movimento do poema-processo. é um dos principais críticos brasileiros de histórias em quadradinhos, autor de um importante e denso ensaio: "A explosão criativa dos quadrinhos".
Quem diria que o próprio Fellini, antes de iniciar a sua carreira no cinema, escreveu argumentos para os "fumetti", nome dado pelos italianos às histórias em quadradinhos! Segundo ele próprio contou, numa entrevista concedida aos "Cahiers du Cinema", foi em 1938, com 18  anos, que começou a colaborar no jornal "L'Avventuroso", que publicava as aventuras do famoso Flash Gordon. Quando o governo fascista proibiu radicalmente essa e outras séries de origem americana, os editores do jornal viram-se na necessidade de contentar os leitores, que exigiam a continuação das aventuras dos seus heróis favoritos. Fellini e um desenhador chamado Giove Toppi lançaram-se à tarefa... e Flash Gordon reapareceu, com figurinos copiados do original. O mesmo aconteceu em França e outros países europeus ocupados pelos alemães. Foi esse movimento - de início, uma banal imitação dos comics americanos, com todas as suas qualidades e defeitos - que fomentou o renascimento da banda desenhada europeia no pós-guerra. (...)
Se é verdade que as histórias em quadradinhos alcançaram na Europa uma posição privilegiada com a realização de conferências e congressos (Lucca, Bordighera), exposições, teses universitárias, e a publicação de revistas especializadas (as francesas "Phénix" e "Charlie", a italiana "Linus", a espanhola "Bang") e dos "fanzines" (publicações para fanáticos, geralmente de pequena tiragem), não é menos verdade que a consciencialização desse fenómeno já se estende também aos Estados Unidos da América do Norte. Certas histórias em quadradinhos, como Pogo, de Walt Kelly, os Anti-Heróis, de Jules Feiffer, Li'l Abner, de Al Capp, os Peanuts, de Charles Schulz, são lidas e comentadas entusiasticamente nos meios intelectuais americanos. As próprias figuras dos Super-Heróis, criação que reflecte a  ideologia tipicamente americana, revestiram nos anos 60 uma nova concepção moral, social e psicológica (...)
(...) Estamos à beira de uma nova civilização, a civilização dominadora da imagem, sob todas as suas formas, a nova idade da iconosfera, como dizem os especialistas - observa, por seu turno, Antoine Roux.
Longamente menosprezadas pelos defensores da cultura tradicional, as histórias em quadradinhos são uma manifestação artística plena de potencialidades, um poderoso meio de comunicação e informação das massas, capaz de estabelecer novas realidades psicológicas e sociais, e que, por isso mesmo, chama actualmente as atenções dos críticos e estudiosos mais progressistas do mundo inteiro.

(Nota do blogger: Relembro que este texto foi escrito em 1977) 

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